Perigo de Morte

01:26 Posted by Inês Antunes

O sol intenso aquecia aquele dia de verão. A areia fina estava a ferver. As pequenas ondas chegavam cronometradas à costa. Um dia de praia perfeito para se passar o tempo entre a água e a tolha. Nada fazia prever o que iria acontecer, tudo estava calmo na praia deserta e não vigiada a sul de Lisboa.
A família estava por perto e Lúcia, na altura com 6 anos, brincava na areia molhada. Por alguma razão, que Lúcia, dez anos depois ainda não consegue dizer, o pai e a mãe ausentaram-se por alguns minutos. Subiram a ravina e Lúcia decidiu entrar dentro de água. A jovem recorda que "o mar parecia uma piscina gigante" e que não havia perigo de se afogar mas a tragédia não se deveu à agitação da água. Lúcia começou a brincar com uns "bichinhos" que achou "engraçados" porque "pareciam bóias". Foi atacada por alforrecas, uma delas a Caravela Portuguesa.
Há onze anos a presença de Caravelas Portuguesas na costa era ainda mais estranha do que nos dias de hoje. Esta espécie frequenta normalmente as águas quentes do mediterrâneo mas naquele dia estava ali, numa praia perto de Setúbal, precisamente onde Lúcia decidiu entrar dentro de água. Foi atacada por várias espécies e os pais não sabiam que a Caravela Portuguesa podia matar. Decidiram levar Lúcia até casa, que ficava a cerca de cem quilómetros do local. Quando chegaram a Torres Vedras decidiram ir de imediato ao hospital dado o estado em que Lúcia se encontrava. Os médicos, segundo Lúcia, não deram importância ao caso. Deram-lhe uma dose excessiva de cortisona e hoje em dia Lúcia sofre de alguns problemas de saúde. Poucos são os médicos que relacionam a situação clínica atual de Lúcia com o ataque. Muitos deles nem sabem o que é a "Caravela Portuguesa", nem mesmo neurologistas que supostamente são quem deve interferir nestes casos.
Sílvia Ferreira diz que um ataque desta espécie afecta sobretudo o sistema nervoso. Para a professora de biologia estes animais deviam ser mais estudados em Portugal visto que o aquecimento das águas está a trazê-los para a nossa costa. Para além do aquecimento das águas, a deslocação destes animais para o nosso mar deve-se ao facto de os seus predadores estarem a desaparecer, devido às caças ilegais em alto mar. É precisamente aí, em alto mar que esta alforreca é mais habitual e é pela falta dos predadores que se tem deslocado até às costas. Os tentáculos da “Physalia Physalis” – nome científico - podem chegar aos 30 metros de comprimento e em cada dez metros há 800 mil nematocistos- filamentos capazes de injectar o veneno. A professora de biologia advertiu também para o facto de estes animais não serem só perigosos enquanto permanecem vivos porque depois de mortos os tentáculos ainda contêm o veneno.
O veneno letal é injectado de tal forma no corpo da pessoa atacada que, o procedimento por parte dos médicos deve ser uma intervenção cirúrgica com o intuito de retirar tudo o que o animal deixa no corpo do ser humano. Este procedimento não é do conhecimento da maioria dos médicos e poucos são aqueles que sabem as repercussões que um ataque deste tipo pode ter nos sobreviventes. Quando questionado acerca do tema, um neurologista que não se deixa identificar, respondeu “Caravelas portuguesas? Mas isso é o quê?”. Este médico trabalha nas urgências de um hospital distrital que abrange uma grande extensão da costa portuguesa. A ignorância mostrada em relação ao tema é espelho daquilo que se passa a nível nacional. Não existem dados estatísticos acerca de quantas pessoas já foram atacadas, nem se dá formação acerca do tema aos Nadadores Salvadores.
Lúcia tem agora dezassete anos e há dois meses atrás estava em casa com mais uma das suas “crises”. Para ela as recaídas já são normais, ainda assim, quando fala delas o seu rosto entristece. A última começou com uma pequena dor de garganta e acabou dois meses depois. Ao longo deste período Lúcia teve de ficar fechada em casa porque o seu corpo reagia mal a qualquer tipo de superfície, como metal, madeira ou até mesmo a roupa. Agora que está melhor, Lúcia lamenta o facto de não se puder expor demasiado tempo ao Sol porque a sua pele reage de imediato e negativamente. O verão é uma época difícil para esta jovem mas ela confessa que sempre que se sente melhor se desloca até à praia e passa o tempo todo dentro de água. Lúcia diz não ter medo da água mas ter medo do que o futuro lhe reserva. Tem medo porque nenhum médico lhe sabe tratar as tais “crises”, tem medo porque conhece um caso idêntico em que a pessoa em causa está prestes a morrer, tem medo porque não tem esperança de que a ciência desenvolva estudos acerca deste tipo de casos. Lúcia encara a vida como uma espera da morte, porque, sem fazer qualquer tipo de estudo, diz saber que isso lhe pode acontecer.

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